6 de jul. de 2010

O educador e o ato de ensinar, segundo Paulo Freire.


Ensinar exige rigorosidade metódica

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se "aproximar" dos abjetos cognoscíveis. E esta rigorosidade metódica não tem nada que ver com o discurso "bancário" meramente transferido do perfil do abjeto ou do conteúdo. É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no "tratamento" do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível e pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinando, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.

Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo. Aí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de idéias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo parto nada devessem ter com realidade de seu mundo. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada vez mais um lado aí, desconectado do concreto.

Não se lê criticamente como se fazê-lo fosse a mesma coisa que comprar mercadoria por atacado. Ler vinte livros, trinta livros. A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito. Ao ler não me acho no puro encalço da inteligência do texto como se fosse ela produção apenas de seu autor ou de sua autora. Esta forma viciada de ler não tem nada de ver, por isso mesmo, com o pensar certo e com o ensinar certo.

Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pensa errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, que me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.

O professor que pensar certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo , como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro antes que foi novo e se fez velho e se "dispõe" a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A "dodiscência" - docência-discência - e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico.
 
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Um comentário:

tere disse...

Amiga! Quanta coisa maravilhosa!!! Uma perguntinha básica: Quando é que tu dormes? Parabéns teu blog está muito rico, com certeza os que acessarem poderam tirar muito proveito. Beijos... Te adoro!!! Tere