27 de nov. de 2010

Violência na escola: o que fazer?



Educar em meio à violência.

Gestoras de escolas localizadas em regiões dominadas pelo tráfico contam como conseguem preservar a escola como espaço da aprendizagem.
Gustavo Heidrich

O cotidiano de escolas que estão em áreas de risco por causa da grande incidência de tráfico de drogas e outros crimes é bastante peculiar. Vez ou outra, é preciso interromper as atividades quando há operação policial na vizinhança - às vezes, duram algumas horas. Às vezes, algumas semanas. A maioria dos alunos convive com cenas que não são comuns em outros bairros - como a presença de "olheiros" armados nas esquinas, tiroteios e até assassinatos -, o que faz com que o tema violência tenha de estar sempre presente na sala de aula e nas reuniões pedagógicas ou com a comunidade.
Dirigir uma unidade escolar inserida nessa realidade não é nada simples. Os problemas são vários e das mais diversas naturezas. Nesta reportagem, vamos tratar de um deles em especial: como conviver com a violência e o crime sem ser conivente com eles, garantindo que a escola seja um espaço de construção de novas possibilidades para os alunos.
NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR visitou três escolas municipais no Rio de Janeiro para saber como os gestores lidam com essa questão. A Rubens Berardo e a Professor Affonso Várzea ficam no Complexo do Alemão, conjunto de 13 favelas com cerca de 300 mil habitantes, que também é conhecido como a Faixa de Gaza carioca, em referência ao território em que ocorrem frequentes conflitos entre israelenses e palestinos. Já a Mestre Cartola está dentro da favela de Vigário Geral, bairro que ficou famoso em 1993, quando a polícia invadiu o local para vingar o assassinato de quatro membros da corporação por traficantes e causou a morte de 21 moradores.
As unidades foram indicadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro por terem um trabalho educativo e comunitário de destaque. As diretoras têm histórias diferentes para contar. Contudo, existem pontos em comum na trajetória de vida delas: todas aceitaram ser professoras em locais dos quais a maioria quer distância, permaneceram na escola até chegar ao cargo que estão atualmente, estão há vários anos na direção, conhecem o entorno e - principalmente - acreditam que a escola tem de ser a principal referência para a comunidade.
Em locais dominados pelo tráfico de drogas, existem regras criadas para proteger a ação criminosa e, nas ruas, são constantes as demonstrações de poder. "Muitas vezes, as crianças reproduzem esses comportamentos, demonstrando que aprendem rapidamente a lei do mais forte", diz Jorge da Silva, ex-coronel da Polícia Militar e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Marci Dias Pires, diretora da Mestre Cartola, viveu os reflexos da chacina de Vigário Geral como professora e enfrentou os problemas de uma comunidade dividida e dominada por diferentes facções e dos efeitos que isso causava internamente. Em várias ocasiões, presenciou alunos brincando de traficante e polícia no pátio, chamando pedaços de pau de AK-47 (modelo de fuzil de guerra usado pelas gangues). "Na maioria das vezes, a escola representa a única janela que os alunos têm para um mundo diferente do que está à sua volta. Não podemos nunca desistir de nenhum deles", afirma (leia mais na página 4).


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21 de nov. de 2010

13 de nov. de 2010

O pensamento racista e a discriminação racial na escola


Racismo: como combater?



Um projeto de combate ao racismo

Escola do interior do Espírito Santo transforma discussões preconceituosas em diálogos de respeito às diferenças.

Assim era um dia comum no CMEB Mário Leal Silva, em Guaraná, distrito de 7 mil habitantes do município de Aracruz, a 66 quilômetros de Vitória. Uma funcionária vê o trabalho de outra e dispara: "Mas isso parece serviço de preto!" Ao chegar à escola, uma aluna da Educação Infantil ouve o comentário de uma monitora: "Ela é escurinha, mas é tão engraçadinha!" Já em sala de aula, dois alunos discutem e um deles não hesita: "Professora! Manda esse ‘macaco’ parar senão eu vou bater nele!" Embora atenda cerca de 700 alunos que vivem em uma comunidade onde aproximadamente 50% da população é afrodescendente, a falta de respeito com as crianças negras e pardas era flagrante na CMEB Mário Leal Silva. E isso se refletia na aprendizagem, pois eram essas mesmas crianças as que mais apareciam nos índices de reprovação (7,39%) e de distorção idade-série (20%).
Ao assumir a direção em 2008 e se deparar com essa realidade de preconceito, a diretora, Mônica Andréa Porto Louvem, decidiu enfrentar o problema. Até então, o tema "identidade racial" aparecia apenas como parte do conteúdo das aulas de História afrobrasileira para atender às determinações da Lei 10.639/2003. "A cultura negra, por exemplo, só era trabalhada no 13 de Maio", relata Mônica, referindo-se à data comemorativa da libertação dos escravos. Para combater o racismo, ela criou um projeto que envolveu toda a comunidade (leia a íntegra do trabalho).
Segundo Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana, o fim de atitudes preconceituosas só é possível quando se desfaz a ideia de ‘raça’: "As raças foram nomeadas com base em conhecimentos falsos para atribuir poderes a alguns grupos. Aceitar nossa mistura e entender a diversidade com base na miscigenação e não pela segregação é algo crucial para a desconstrução do pensamento racista. E a escola é um pilar fundamental para promover essa mudança na sociedade. O ideal, quando esse tema é debatido, é falar em ancestralidade".

Novas regras de convívio para combater a impunidade

Realizar um projeto na escola para enfrentar questões relacionadas a valores e atitudes não é simples, pois envolve o trabalho com as regras do convívio escolar e a articulação de muitas atividades. Em Aracruz, era preciso desencadear ações nas reuniões com professores, funcionários, alunos e pais, redefinir conteúdos curriculares para explorar na sala de aula e estabelecer formas concretas para lidar com as questões (regras, registros e conversas entre partes envolvidas em conflitos). Tudo para construir um ambiente de conscientização sobre os malefícios causados pela discriminação. Mais do que isso, era essencial fazer do espaço um ambiente no qual o racismo não fosse tratado de forma impune e onde fossem realizadas diariamente ações para que houvesse o entendimento do problema. Uma das preocupações era fazer com que cada um compreendesse a questão do ponto de vista de quem sofre o preconceito para com isso poder refletir sobre as posições tomadas e as opções feitas no dia a dia, no convívio com os colegas.
O primeiro passo para a implantação do projeto Diversidade, Sim! Desigualdade, Não! Conhecendo, Percebendo e Valorizando a Identidade Étnico-Racial no Cotidiano da Escola foi elaborar um diagnóstico detalhado da situação para, então, inserir as questões de respeito no projeto pedagógico. Essa análise foi importante para socializar as informações sobre a questão com toda a equipe.
As discussões começaram em uma das reuniões semanais que a diretora organiza com toda a equipe pedagógica. Mônica apresentou dados sobre o perfil dos estudantes, assim como a descrição de atitudes preconceituosas que haviam sido observadas no cotidiano escolar. Os docentes responderam a um questionário, que forneceu pistas importantes sobre a necessidade de transformar a escola em um espaço de luta contra a discriminação. Após a análise das informações, começaram os encontros para discutir como a instituição lidava e como deveria tratar a questão racial.
Nos encontros periódicos da equipe gestora, ficou decidido que tanto alunos como funcionários deveriam desenvolver a compreensão histórica e cultural sobre a diversidade étnica. Foi pensado também em como seria feita a sistematização das ações e a sensibilização do Conselho Escolar. "Estimulamos o diálogo, a observação e a reflexão sobre as atitudes preconceituosas na escola."
Em alguns momentos, foi preciso chamar a atenção de colegas que nem sequer percebiam como tinham discursos discriminatórios. "Hoje, essa cultura de observação está já instaurada na escola e avançamos muito nas questões pedagógicas. O problema do racismo, porém, envolve uma construção constante", observa a diretora. Esse é um dos pontos de maior importância: a permanência da cultura do respeito.
"Em um trabalho em que o objetivo é mudar formas de comportamento e valores, é preciso manter o assunto aquecido durante todo o ano, as ações ocorrendo e as informações circulando. Esse é um dos méritos desse projeto", afirma Ana Amélia Inoue, selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. "O trabalho transformou atitudes preconceituosas em diálogos de respeito. E por isso ele é permanente", observa Mônica, a diretora.

 
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7 de nov. de 2010

Pensadores da Educação: Paulo Freire.



O importante é ler o mundo
Denise Pellegrini


Paulo Freire

Nascido em 1921, no Recife, formou-se advogado em 1959, mas nunca exerceu a profissão. O ensino era sua paixão. Exilado após o golpe militar de 1964, foi para o Chile, onde escreveu Pedagogia do Oprimido (1968), livro que o tornou conhecido mundialmente. Morreu em 1997, em São Paulo, cidade da qual foi secretário de Educação de 1989 a 1991.

O que ficou

É preciso pôr fim à educação bancária, em que o professor deposita em seus alunos os conhecimentos que possui.

Um alerta

A técnica de silabação utilizada por ele em seu método de alfabetização de adultos está ultrapassada, ainda que a idéia de trabalhar com palavras geradoras permaneça bastante atual.
Mais do que um educador, Paulo Freire foi um pensador. Sua obra mais famosa, Pedagogia do Oprimido, dá as linhas da educação popular que desejava. Para ele, não havia educação neutra. O processo educativo seria um ato político, uma ação que resultaria em relação de domínio ou de liberdade entre as pessoas. De um lado, estaria a burguesia e, do outro, os operários. Uma pedagogia que libertasse as pessoas oprimidas deveria passar por um intenso diálogo entre professores e alunos.
Paulo Freire se opunha ao que chamava de educação bancária. "Esse tipo de ensino se caracteriza pela presença de um professor depositante e um aluno depositário da educação", afirma José Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, de São Paulo, e professor do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (MG). "Quem é educado assim tende a tornar-se alienado, incapaz de ler o mundo criticamente."
A formação docente era uma preocupação constante do pesquisador pernambucano. "Ele acreditava que o educador deve se comportar como um provocador de situações, um animador cultural num ambiente em que todos aprendem em comunhão", explica Romão. Segundo o velho mestre, ninguém ensina nada para ninguém e as pessoas não aprendem sozinhas.
Essas e outras idéias de Freire estão hoje em grande evidência no meio educacional. São exemplos o conceito de escola cidadã (que prepara a criança para tomar decisões) e a necessidade de cada escola ter um projeto pedagógico que reconheça a cultura local. A gestão que acaba de se encerrar na Secretaria Municipal de Educação de Betim, em Minas Gerais, bebeu nessa fonte. A então secretária, Ana Maria da Silva Santos, afirma que todos têm voz dentro da escola. "Previmos a democratização da educação, em que a inclusão de todos, não só dos portadores de deficiência, é fator fundamental."
O projeto pedagógico de cada escola de Betim é definido com a participação dos alunos e da comunidade, que escolhem os diretores pelo voto direto. Conselhos pedagógicos discutem currículo, avaliação, conteúdo, calendário e metodologia. Foi criada também a escola de pais, um espaço de formação em que as famílias têm acesso a informações científicas e filosóficas. "Formados, eles podem participar mais ativamente dos fóruns decisórios", justifica Alfredo Johnson Rodriguez, coordenador da Divisão Pedagógica de Betim.
O município mantém ainda um programa de alfabetização de adultos, baseado no "método Paulo Freire", criado no início da década de 60, que tornou o educador conhecido internacionalmente. Até então, os adultos eram alfabetizados pelos mesmos procedimentos adotados com crianças. A mudança tinha como pressuposto a utilização de "palavras geradoras", termos que faziam parte da vida dos alunos. Eles, a seu ver, não deveriam apenas aprender a formar palavras fora de um contexto, mas compreender seu próprio papel na sociedade. O princípio do método permanece atual, apesar de a técnica de silabação em que estava baseado ser totalmente ultrapassada. De acordo com Romão, Freire tinha plena consciência de que era preciso atualizar suas idéias para avançar. "Ele dizia que antes de ensinar uma pessoa a ler as palavras era preciso ensiná-la a ler o mundo. Essa é a essência de suas idéias."


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